terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O QUE FAZER COM O TRAFICANTE DEPENDENTE?

A passagem relâmpago do advogado Pedro Abramovay pela Senad (Secretaria Nacional Antidrogas) reacendeu o debate sobre políticas para tratamento de dependentes químicos que passam a traficar drogas, sem envolvimento com o crime organizado, para manter o próprio consumo. Para especialistas ouvidos pelo Diário, um tratamento eficaz para os chamados pequenos traficantes é crucial na sua recuperação e a consequente redução da criminalidade.

Abramovay pediu demissão sexta-feira do cargo de secretário nacional de Justiça e recusou indicação para Senad depois de ser desmentido, no início da semana passada, pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. O advogado defendeu, na mídia, a substituição da pena de prisão para pequenos traficantes por penas alternativas, como prestação de serviços à comunidade, para resolver a superlotação carcerária. Segundo ele, dos atuais 70 mil presos por tráfico, 40 mil podem ser enquadrados nesse perfil.

No entanto, afirmam médicos e profissionais ligados à Justiça, substituir uma pena pela outra em nada vai adiantar. Pelo contrário, vai gerar sensação de impunidade. "É preciso programas eficientes de tratamento, geração de emprego, formação para tirá-lo do tráfico e fazer com que não volte a cometer. No País, a reincidência chega a 70%. O tráfico é onde mais o indivíduo volta a cometer o delito por ser dependente, não ter renda, estrutura familiar e escolaridade", ressalta o juiz Ulysses de Oliveira Gonçalves Júnior, titular da 1ª Vara de Execuções Criminais de São Paulo e corregedor dos Presídios da Capital.

A psicóloga Andréa Costa Dias, especialista em dependência química, chama a atenção para a falta de informação sobre os dependentes químicos, o que fazem e quantos são. "Há um desconhecimento sobre perfil e hábitos do dependente, principalmente de crack. Muitos conseguem levar vida social com trabalho e relacionamento", explica.

Andréa coordenou estudo que analisou 107 dependentes de crack que estavam em tratamento no Hospital Geral de Taipas, Zona Leste da Capital, entre 1992 e 1994. Doze anos depois, retomou o contato com eles e descobriu, a partir de entrevistas, que 61% se envolveram em delitos. Destes, 29% com o tráfico.

Além disso, 43% foram presos pelo menos uma vez, com média de tempo de prisão de um ano e oito meses. Já a média de tratamento foi somente de três meses. "Isso é reflexo da política repressiva em relação a essas pessoas. São doentes crônicos e é preciso mudar o olhar sobre a questão", diz.

É esperado nos próximos meses o primeiro diagnóstico sobre o tema, feito pela Fundação Oswaldo Cruz, a pedido do governo federal. Além de não saber quem são, o Ministério da Saúde desconhece quanto custa o tratamento para dependência química no SUS (Sistema Único de Saúde).

A psiquiatra Ana Cecília Marques, da Uniad (Unidade de Pesquisas em Álcool e Drogas), da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), que há 25 anos trabalha com pesquisa e tratamento sobre o tema, vai mais longe. Para ela, nem a Justiça nem a Saúde Pública estão preparadas para encaminhar e atender os pacientes. Ela lembra que há 40 anos a Organização Mundial de Saúde declarou se tratar de uma doença como qualquer outra. "Ou seja, a Constituição já garante o tratamento público a eles. Mas faltam profissionais capacitados, leitos e locais apropriados", critica a médica, que é favorável ao fim dos manicômios, mas lembra que a internação adequada em alguns casos é o mais indicado.

Atendimento cresce em cidades da região

O número de atendimento a dependentes químicos nos CAPS-AD (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Droga) aumentou 47% em São Caetano, Santo André e Diadema.
Em São Caetano foi onde houve o maior número de atendimentos: foram 6.288 em 2009, número que saltou para 9.457 no ano passado. Diadema registrou 1.348 atendimentos em 2009, contra 1.851 no ano seguinte. Santo André contabilizou 800 em 2009 e 1.100 no ano passado. 

São Bernardo, que não informou o número de 2009, computou 1.686 em 2010. Já Ribeirão Pires registra 4.000 atendimentos ao mês nos três CAPS da cidade - CAPS 2, CAPS Infantil e CAPS AD. Mauá e Rio Grande da Serra não se manifestaram. 

Os CAPS fazem parte da política do Ministério da Saúde, que desde 2003 passou a tratar o uso de drogas como problema de saúde pública. Nos Centros de Atenção o dependente químico é tratado por equipe multidisciplinar e passa alguns dias da semana em atividades psicoterapêuticas, individuais e coletivas, e retorna para casa no fim do dia. A internação ocorre somente em casos mais graves. 

Segundo médicos e psicólogos, a não-internação é uma tendência na psiquiatria. E, apesar do crescimento de atendimentos na região, o País tem um deficit grande de leitos psiquiátricos para dependentes químicos. 

O NAPS-AD (Núcleo de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas) de Santo André faz 300 acolhimentos ao mês, e somente 10% passam por período de internação, nos seis leitos disponíveis. 

Já o Ministério da Saúde mantém programas de combate ao uso de drogas, como o Plano de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas e emitiu portaria no fim de 2010 autorizando a abertura de 8.800 leitos em todo País. Porém, até agora só 250 leitos foram pedidos pelos municípios.
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Crime organizado rejeita dependente 
O perfil do dependente de drogas que trafica apenas para consumir não faz parte do quadro de membros do crime organizado. Segundo a delegada Katia Regina Cristófaro Martins, titular da Dise (Delegacia de Investigações Sobre Entorpecentes) de São Bernardo, ele não é bem visto por prejudicar os negócios. 
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"Por causa da fissura provocada pelo uso contínuo do entorpecente, ele (viciado) acaba cometendo roubo, chamando a atenção da polícia. E o traficante quer discrição. Por isso, no crime organizado a maior parte consome eventualmente", conta a delegada, que tem 29 anos de Polícia Civil, sendo 22 como delegada. Há dois anos à frente da Dise, ela contabiliza neste mês dez inquéritos instaurados e, em todos eles, os detidos declararam fazer uso de drogas. 
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Diferentemente do dependente, o viciado ajuda a alavancar o mercado de drogas, afirma o juiz Ulysses Gonçalves Júnior. A estratégia utilizada é de manter uma grande quantidade de tóxico em circulação, vendida por muita gente, em pequenas quantidades, para evitar perder mercadoria no caso de uma batida policial. Segundo ele, há uma corrente de juízes que leva em consideração a quantidade apreendida para estipular a pena, que varia de 5 a 15 anos, segundo artigo 33 da Lei 11.343/06. Mas há outra que entende que isso não deve atenuar a pena, uma vez que o tráfico de drogas atenta contra a Saúde. 


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Maconha: a ciência da legalização

Os cientistas estão saindo de seus laboratórios para discutir se a droga deve ser legalizada. Do uso medicinal ao recreativo, saiba o que eles dizem.

Na véspera do jogo Brasil x Holanda na Copa do Mundo deste ano, o neurocientista carioca Stevens Rehen, um dos mais respeitados pesquisadores brasileiros de células-tronco, recebeu um telefonema do irmão. Do outro lado da linha estava o músico e antropólogo Lucas Kastrup Rehen, baterista da banda de reggae carioca Ponto de Equilíbrio. Contava que o guitarrista do grupo, Pedro Caetano, 29 anos, havia sido preso por cultivar dez pés de maconha em casa. Adepto da religião rastafári, seita de origem jamaicana que faz uso da droga em seus rituais, Pedro fora enquadrado como traficante por causa da ambiguidade da lei 11.343, de 2006, que não determina a quantidade exata de droga que separa usuários e fornecedores. E por isso ficou 14 dias na cadeia. A história teria sido mais uma nas páginas de jornal se não tivesse esquentado uma discussão que começava no meio científico, sobre a legalização da maconha no Brasil. O tema veio à baila diversas vezes desde que a Organização das Nações Unidas (ONU), em 1961, aconselhou todos os países signatários a proibi-la. A diferença é que, desta vez, os debatedores foram inédito.

PEDRO CAETANO > Saiu de casa numa quinta-feira de manhã e passou 14 dias na cadeia. Foi o estopim para o novo debate sobre a legalização da maconha. Dessa vez, entre cientistas

Em vez de políticos ou artistas com ideais liberais, quem levantou a bandeira da legalização foram quatro dos cientistas mais respeitados do Brasil: Stevens Rehen é diretor adjunto de pesquisa do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); João Menezes, neurocientista com Ph.D. no Massachusetts General Hospital e na Harvard Medical School, nos Estados Unidos, além de professor da UFRJ; Cecília Hedin, neurocientista e doutora em biofísica, divide com Menezes a direção do Laboratório de Neuroanatomia Celular do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ; e Sidarta Ribeiro, Ph.D. em neurociências pela Universidade Duke, nos Estados Unidos, é chefe do laboratório do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

A questão levantada pelos cientistas se resume em três pontos. No primeiro, argumentam que o que é proibido não pode ser regulamentado. A maconha vendida no mercado ilegal é mais nociva para a saúde de quem consome, uma vez que a erva pode ser misturada com outras substâncias mais pesadas, como o crack. O segundo ponto é o de que a Cannabis sativa (nome científico da maconha) pode ser usada como remédio no tratamento de diversas doenças. O terceiro, e principal ponto da argumentação, diz que a droga faz mal ao corpo - mas não tanto quanto já se pensou - e que esse problema é bem menor quando comparado aos males que seu comércio ilegal causa à sociedade. "Precisamos discutir o que é 'menos prejudicial': os efeitos da maconha no indivíduo ou a violência associada ao tráfico", diz Rehen.